No fundo, há dois tipos de pessoas: o das que nos tentam conhecer (e que nos acham complicados) e o daquelas que, quando se dão, nos tornam mais simples e mais compreensíveis. Até para nós. Será isso, acho eu, o "olhai por nós" de duas pessoas numa relação com qualquer coisa de divino: transformam duas complexidades numa janela de simplicidade.
São as pessoas que nos fazem sentir acompanhados (e mais simples) quem nos ajuda a perceber que não estamos sós. E são elas que, de forma fulgurante, sempre que nos levam pela mão, por entre as dúvidas que esclarecem, nos fazem entender que amar e conhecer andam, mais do que parece, de braço dado.
Um psicanalista inglês, Wilfred Bion, aproximou muito amar e conhecer. Dando a entender que, de alguma forma, são as pessoas que nos ligam à vida quem nos conduz ao conhecimento. Conhecer seria, assim, amar. E vice-versa... Mas eu não acho.
Parece-me, antes, que amar é reconhecer. Reconhecer, no sentido de quem se conhece duas vezes. Por fora. E por dentro.
Reconhecer como forma de nos reconhecermos, insaciavelmente, em alguém que faz parte de nós.
Reconhecer como uma estranheza que se esclarece, sempre que alguém precioso nos reconhece, mesmo quando não sabemos quem somos.
E reconhecer de gratidão. Pelos gestos de reconhecimento que se trocam quando se ama.
Reconhecermo-nos em alguém... desabafa-nos. Isto é, alivia a angústia de estarmos abafados nas dúvidas com que se constrói a nossa solidão.
E de cada vez que alguém se reconhece em nós... transforma-nos. Olha para além de nós; olha por nós. Sem que com isso sobreponha o seu olhar ao nosso.
Talvez amar seja, realmente, reconhecer. E será por isso que, quando olhamos para o nosso coração, nos doa sempre um bocadinho. Porque talvez sobrem as pessoas que olham para nós, e nos achem complicados... Com o tempo, parecem tornar-se quase nenhumas as pessoas que olham por nós... e nos reconhecem.
As miragens são todas aquelas pessoas que, sempre que as imaginávamos capazes de nos tornarem mais simples e mais compreensíveis, nos decepcionam. É por isso que as miragens nunca acontecem por influência da luz do sol, quando o olhamos de frente. Só muito tarde descobrimos que as miragens nascem e crescem presas às pessoas que, em vez de janelas de simplicidade, criam labirintos no nosso coração. E nos levam a reparar, sempre que olhamos para trás, que - em vez de transparência - surge opacidade.
Uma miragem é tudo aquilo que, no lugar de pessoas luminosas, cresce sob a forma de vultos, penumbras, e com um insustentável sentimento de estranheza. Porque com a ilusão de haver quem nos conheça, as miragens dão-nos quase tudo o que nos faz falta. Menos o que só o amor e o reconhecimento transformam numa janela de simplicidade.
Eduardo Sá
Chega-te a mim e deixa-te estar