Devemos lutar para nos tornarmos livres, se quisermos lutar para nos conhecer-mos. Conhecer-se e desenvolver-se é uma tarefa de tal importância e seriedade, exigindo tal intensidade de esforço, que tentá-la da maneira habitual, entre outras coisas, é impossível. O homem que empreende essa tarefa deve dar-lhe o primeiro lugar na sua vida, que não é tão longa que ele se possa permitir desperdiçá-la com futilidades.
(…)
Saia à noite, sob um vasto céu estrelado, e levante os olhos para esses milhões de mundos acima da sua cabeça. Em cada um deles provavelmente formigam biliões de seres semelhantes a si, talvez de constituição superior. Olhe para a Via Láctea. A Terra não pode sequer ser chamada de grão de areia nessa infinidade. Ela dissolve-se, desaparece e, com ela, você também. Onde está? Quem é? Que quer? Onde quer ir? Não será o que empreende pura loucura?
Diante de todos esses mundos, interrogue-se sobre os seus objectivos e as suas esperanças, as suas intenções e os seus meios de as realizar, sobre o que pode ser exigido de si, e pergunte-se mesmo até que ponto está preparado para responder a essas perguntas.
Espera-o uma viagem longa e difícil; dirige-se a um lugar estranho e desconhecido. O caminho é infinitamente longo. Não sabe se poderá descansar nem onde isso será possível. Deve prever o pior. Leve consigo tudo o que for necessário para a viagem.
Trate de não se esquecer de nada, porque depois será muito tarde para reparar o erro: não terá tempo de voltar para ir buscar o que tiver esquecido. Avalie as suas forças. São suficientes para toda a viagem? Quando é que poderá partir?
Lembre-se de que quanto mais tempo passar no caminho, mais provisões precisará de carregar, o que retardará proporcionalmente a sua marcha e alongará até a duração dos preparativos. E cada minuto é precioso. Uma vez que decidiu partir, porquê perder tempo?
Não conte com a possibilidade de voltar. Essa experiência poderia custar-lhe muito caro. O guia só se comprometeu a conduzi-lo; não é obrigado a reconduzi-lo. Você será abandonado a si mesmo e ai de si se fraquejar ou perder o caminho; jamais poderá voltar. E, mesmo que o reencontre, fica a pergunta: voltará são e salvo?
Desventuras de toda a espécie espreitam o viajante solitário que não conhece bem o caminho, nem as regras de conduta que ele impõe. Convença-se de que a sua vista tem a propriedade de lhe apresentar os objectos distantes como se estivessem próximos. Iludido quanto à proximidade da meta para a qual se encaminha, cego pela sua beleza e ignorando a medida das suas próprias forças, não se dará conta dos obstáculos que estão no caminho; não verá as múltiplas valetas que atravessam a senda. Numa pradaria verde, juncada de flores deslumbrantes, o mato espesso oculta um profundo precipício. É muito fácil tropeçar e cair nele, se os seus olhos não estão fixos em cada passo que está dando.
Não se esqueça de concentrar toda a atenção no que o cerca de perto. Não se ocupe com metas distantes, se não quiser cair no precipício.
Entretanto, não se esqueça do seu objectivo. Lembre-se dela sem cessar e mantenha vivo o seu ardor por atingi-la, para não perder a direcção certa. E, tendo partido, esteja atento; o que você atravessou ficou para trás e não tornará a apresentar-se: o que não observou num determinado momento, não o observará nunca mais.
Não seja curioso demais e não perca tempo com o que atrai a sua atenção, não vale a pena. O tempo é precioso e não deve ser desperdiçado com coisas sem relação directa com o seu objectivo.
Lembre-se de onde está e por que está ali.
Não se poupe e lembre-se de que jamais qualquer esforço é feito em vão.
E agora pode iniciar a caminhada."
G.I.Gurdjieff
P.S.: este post foi um pequeno (grande) furto ao blog do Ricardo Antunes, que escreveu um dos livros que faço questão de manter "naquela" prateleira especial...